quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Fortes como homens

 “Andar de mãos dadas, seria tão bom!”...

Pensou Anacélia, pondo o livro sobre o banco do bosque.

Gorda, mascarava com vestidos largos e sensuais as partes que menos gostava. Os grandes olhos azuis, a pele de bebê e os cabelos loiros a distinguia.

Mas estar só é estar triste. As amigas tinham seus homens, alguns eram cafajestes, mas tinham. Ao longe, casais se beijavam sobre a grama em festa, com toalhas xadrezes transbordantes de comida.

Levantou-se com o livro na mão e começou a caminhar ao sol. Sempre gostava de caminhar após leitura de algum livro, como se estive digerindo o que acabara de ler. Na ficção encontrava cor, ao seu redor havia vida.

Pegou um fiapo de grama e começou a sugá-lo. Recostou-se numa árvore. Há uns cem metros um casal, deitado, beijava-se. Tentou se colocar no lugar dela. Será que estava sendo verdadeira? Um instantâneo, uma tela perfeita. Parecia um amor realizado num bosque do século XIX. Se fosse pintora gravaria tudo aquilo em cores alegres e viris. Mas podia imaginar, fechar os olhos...

O pai carregava-a de cavalinho segurando suas perninhas, devia ter cinco anos. Subiam uma estrada de terra, próximos à fazenda da família. Um cheiro forte de urina e esterco exalava sob o sol.

- Cocô de vaca – dizia-lhe o pai.

Era tão bom o cheiro, o pai a fazer-lhe caretas com todo o mundo à sua frente, as horas eram deles, o tempo, a vida e todo o espaço existente, e também o ar. Uma infância que era um céu sem nuvens, carneirinhos aninhados em seu perfumado colinho de menina rica.

O casal à sua frente se desentendeu. Alguns gritos são ouvidos e o rapaz sai falando alto e xingando, gesticulando furiosamente. A jovem grita para ele voltar.

O rapaz monta em sua possante moto e arranca em alta velocidade. A moça chora desconsolada, mas ao olhar para cima e ver Anacélia pára, desarticulada.

Envergonhada por ser observada por uma rival, fêmea como ela, agora, desguarnecida de amor. A jovem seca as lágrimas com o dorso da mão, senta-se e abraça as pernas dobradas. Num átimo abre uma latinha de cerveja e acende um cigarro.

Anacélia se aproxima.

- Tudo bem com você?

- Sim, já estou melhor.

Anacélia lhe diz que jamais sofre por amor, por homem, porque aprendeu a se apaixonar por si mesma e, desde modo, não têm rivais.

- Isto é ótimo – disse a jovem que se chamava Suzi -, não ter rivais é o máximo!

Ambas riram muito, desbragadamente. Um punhado de corvos voavam alto, fazendo mandalas no contraste azul.

- É tão bom não chorar, ser forte como um homem! – disse Anacélia, categórica.

- Será que consigo?

- Podemos tentar... – respondeu Anacélia passando a mão no rosto úmido da moça.

- Sim, podemos!

Levantam-se as duas, arrumam as coisas do chão, colocam na bolsa de Suzi e rumam para o carro de Anacélia, estacionado próximo dali.

Anacélia abre a porta e Suzi entra na Mercedes. Ouvem-se risinhos contidos.

Rumaram para a cidade, livres, felizes e fortes como homens.

(Conto do livro inédito "Impermanências" - Copyright by Agnaldo Barcaro)