domingo, 6 de fevereiro de 2011

Insight

- Cansei! – disse Eduardo. – Vou jogar a toalha...
- Não desista! – disse Rosa, sua mulher, inutilmente.
Eduardo saiu, bateu a porta e não voltou mais. Rosa não teve forças para reagir, ajudar o marido em seu desespero. Dívidas, doenças, família – tudo jogado para o alto.
“Viver é sofrer”, pensava Eduardo. “O cotidiano nos devora, é inútil prosseguir”. “Mas o que vou fazer?” “Rosa vai sofrer, as crianças vão sofrer”. “Não estarei sendo egoísta?” “Será a minha vida pior do que a das outras pessoas que habitam este mundo?” “Na verdade, estou numa encruzilhada: sem forças para viver e sem coragem para morrer”. “Bingo! E agora José?”
Eduardo caminhava cabisbaixo e pensativo. Estava no centro da grande cidade, a metrópole que massifica e transforma as pessoas em números. Nas esquinas encontrava os personagens de sempre, os náufragos do sistema: prostitutas, punguistas, estelionatários, mendigos e falsos mendigos simulando ferimentos inexistentes, cegos e falsos cegos, ciganas que lêem o futuro, tiras corruptos, compradores de ouro de procedência duvidosa, cobradores de impostos e pastores berrando por almas perdidas e dízimos... Eis a matrix!
“Não, não suporto mais isso!”, suspirou Eduardo, caminhando sem destino. Num átimo, quando ergueu os olhos, leu numa placa que um homem levava às costas. Não vendia e nem comprava ouro. Leu, e aquilo o tocou: “OS EVENTOS SÃO SONHOS – SAIA DA ILUSÃO – NÃO EXISTEM PROBLEMAS!” Eduardo pensou: “Bah, mais 171”. Mas resolveu inquirir o homem. Bateu em seus ombros e, ao virar-se, teve um susto. O homem que carregava a placa vestia uma máscara de esqueleto. Na placa da frente estava escrito: “SER OU NÃO SER, EIS A QUESTÃO!”. Abaixo da frase, em letras miudinhas, o autor: Shakespeare.
Ante o susto de Eduardo o homem não disse nada, era mudo, apenas entregou-lhe um folheto. No folheto pode ler: “SAIA DA MATRIX EM MEIA HORA! – INSIGHT GRÁTIS!” – Av. Paulista, 1455 – 11º andar – sala 111 – Centro. “Bem, já que é de graça, não custa ir ver, nem que seja a última coisa que eu faça”. Não estava longe, caminhou meia hora e chegou. Um belo prédio. Pegou o elevador e desceu no 11º andar e se dirigiu à sala 111. Uma moça, vestida de esqueleto, o atendeu, indicando uma poltrona. Ali havia umas quinze pessoas. Uma grande porta preta, fechada, dava acesso a um outro cômodo. Não demorou, e um homem também vestido de esqueleto, abrindo a porta preta, pediu para que entrassem. O local era escuro e iluminado por velas negras. No chão, sobre o carpete, havia algumas urnas funerárias. Algumas pessoas, ao vê-las, saíram dali. Eduardo, não tinha nada a perder, ficou.
- Se querem SER entrem nos caixões! – disse o homem, em tom imperativo. - Todos os seus problemas serão dissolvidos, porque eles não existem!
Umas cinco pessoas entraram, cada qual em um caixão. Eduardo entrou, deitou-se e a tampa foi lacrada. Havia ar ali, ainda bem. Um som estranho foi ligado dentro de cada caixão. Parecia um motor de caminhão que roncava lentamente, mas depois o som foi subindo, subindo e Eduardo “apagou”. Ao dar por si, viu que estava num local onde uma luz branca e brilhante reinava. Só havia ele ali, aquela luz diamante e brumas. A paz reinava, não sentiu medo. A ansiedade e a vontade de “sumir” desaparecera. Acreditou que estava morto. De certo modo era verdade, não tinha vontade de voltar. Não conseguia pensar ali. Só paz, luz e uma sensação de eterna harmonia e felicidade. Num instante aquilo acabou; ouviu o som de motor novamente, a tampa do caixão foi aberta. Ele saiu, ainda zonzo.
- Muito bem! Agora, se puderem e se sentirem gratificados, deixem sua contribuição na saída! – Gritou o homem-esqueleto. – O Segredo é: Não é o que acontece que destrói ou constrói uma pessoa, mas sim, a sua reação mental ao fato. – Não se identifiquem com os pensamentos! São eles que “poluem” o seu rio interior... Observem o observador! DESAPEGUEM-SE! NADA ACONTECE FORA, MAS DENTRO!
Eduardo saiu, feliz, um riso estampado no rosto. Não tinha um centavo no bolso, deixou o relógio. O homem-esqueleto fez-lhe uma reverência com a cabeça, e ele saiu, caminhando sob o sol, leve, como se caminhasse sobre ovos. Voltou para casa, para Rosa e as crianças, sabedor que agora estaria no “sistema” mas, ao mesmo tempo, não faria parte dele. Emancipara a sua alma. Era, agora, dono de si mesmo e de seus pensamentos e, feliz, começou a assobiar uma canção antiga. O refrão dessa canção dizia, mais ou menos assim: Que mundo maravilhoso!

(Conto do livro inédito "Luz & Sombras" - Copyright by Agnaldo Barcaro)

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