quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Joaninha

O menino fixou seus olhos nas costas vermelhas da joaninha. Costas vermelhas cravejadas de bolinhas pretas. O menino fixou-se, novamente, numa bolinha nas costas da joaninha, bem acima, quase ao centro. Fixou os olhos como um microscópio que avança, potente, eletrônico. Adentrou com os olhos-microscópicos a bolinha nas costas da joaninha e foi avançando, lentamente, vislumbrando reentrâncias, pigmentos, veios, crateras e, por fim, átomos. Ao chegar aos átomos parou, ou melhor, tentou ir além.
Havia ali uma peneira de átomos. Além dos átomos o que haveria? pensou. Certamente o invisível. Além do invisível o que haveria? O menino matutava, lia livros de Ciências, matutava. Começou a ler livros de física quântica, matutava. Um dia, olhando para o corpo da joaninha que espetara num alfinete, algo aconteceu que mudou para sempre o menino. O espírito da joaninha apareceu-lhe e disse: o que você vê e não vê é o invisível além do visível.
“O invisível além do visível”. O que será que quis dizer o espírito da joaninha? Pensando nisso, o menino ia para cama todas as noites, matutava. Dias, semanas, meses, matutava. Um dia, matutava, foi para a cama e esqueceu-se do que matutava. O espírito guardião da joaninha apareceu-lhe e revelou: você destruiu um ser por simples curiosidade. No universo em que vivemos isso é um crime grave. O que farás para repará-lo? Se não fizer nada, você nunca saberá o que há além das manchas das costas da joaninha. O menino, no sonho, respondeu: eu farei tudo para preservar as matas onde vivem as joaninhas. Além disso, vou estudar tudo sobre joaninhas, tornar-me-ei um especialista. O espírito guardião da joaninha assentiu com a cabeça, e o menino despertou.
Cresceu, estudou, pesquisou nas melhores universidades do mundo e tornou-se o Phd em joaninhas. O maior especialista do mundo em tais insetos ganhou muito dinheiro, comprou terras, plantou árvores. Viajava o mundo todo a fazer campanhas para a preservação das matas e das estimadas joaninhas. Mas, ainda não sabia o que haveria por trás do invisível, das manchinhas circulares das costas da joaninha. Recordou-se do sonho, sobre o que o espírito guardião da joaninha assassinada lhe dissera. Parecia loucura, tudo uma loucura. Chegou a duvidar, às vezes, da própria sanidade. Seriam os cientistas geniais loucos?
Ao completar 70 anos o ainda menino foi à floresta amazônica a convite de um xamã. Tomou de uma bebida sagrada que produzia visões e, finalmente, conheceu a verdade por trás do visível. Em êxtase, provocado pelo “Vinho dos Espíritos”, apareceu-lhe O Grande Criador de todas as joaninhas. Teve visões, o universo inteiro era composto pelas costas de uma imensa joaninha e, as pintinhas, de todas as cores, formavam universos dentro de universos, dimensões dentro de dimensões. Dos olhos dessa imensa joaninha saiam luzes e fogos que formavam outros seres além dos universos conhecidos. De repente, ao abrir as asas para alçar vôo, tudo se transformou no nada, e a joaninha infinita foi tragada pela luz de um sol imenso que radiava luz azul. O menino, agora maduro, pode perceber que além do visível somente há o nada, o NADA que é TUDO. Mas isso tudo depende do ponto de vista de quem está observando... O observador pode subverter a ordem de todas as coisas, pois aonde vai a atenção vai a força que cria e recria tudo e nada.

(Conto do livro inédito "Luz & Sombra" - Copyright by Agnaldo Barcaro)

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